quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Um dia de merda

Dezessete abas abertas no navegar. Eu contei, porque não cabia mais. E tudo sobre Eduardo Campos. Queria ler, queria saber, queria acreditar. Começou no almoço. Recebi a notícia de um amigo da redação, não acreditei. Mandei um whatsapp para amiga que trabalha na campanha dele. É verdade? É, Ju, tá confirmado, ele morreu. Tem gente que acha que pulei de alegria, porque jornalista é tudo assim mesmo. Errado. Fiquei perplexa. Morreram mais pessoas com Campos, mas como não chocar primeiro com a morte dele? O cara é candidato, um presidenciável, impossível separar um político de um ser imortal.

A redação só tinha caras de desespero e surpresa. Todo mundo se perguntando se era mesmo verdade. E notas subindo. Confirma informação daqui, quer ajuda? dalí. Nessa hora, entretenimento se mistura com hardnews, porque o que você quer é ajudar. Quer que dê certo, quer descobrir, dar a informação. Jornalista que não sente isso, desculpa, não é jornalista.

As horas passam, as notícias se multiplicam, e você ali, vendo tudo. Não dá pra desligar. As redes sociais explodem, gente dando opinião. Um que lamenta, o outro faz piada. Chega a dar raiva, porque você não consegue se separar do papel de profissional, mas tem coisa que mexe com as entranhas. Piadas de mau gosto, brincadeiras sem graça, gente querendo falar só por falar. Triste. Uma vida, duas vidas, sete! Outro telefonema da amiga, emocionada agora, sentindo a dor de ver um cara pra quem ela trabalha morrer. 

O dia é um caos. Excesso de informação, especulação e, claro, gente metendo o pau na imprensa. Pra que saber quem vai assumir o lugar dele? Como se diz por aí, a vida continua. Se Campos morreu e era o terceiro colocado numa campanha presidencial, é claro e natural que seja esclarecido o que vem depois. Se Marina será ou não candidata, ainda há tempo, mas cada um de nós, brasileiros, tem a obrigação e o dever de saber. 

Fim do dia. Uma cerveja, por favor? Roda de amigos e cabeça no lugar. Essa é a hora que qualquer jornalista sente e avalia com o lado pessoal o que se passou. Um dia triste. A morte trágica de profissionais que estavam fazendo o seu trabalho, a morte de um pai de cinco filhos e que enterrou uma vida pública promissora. 

Era político? Sim, político. Era corrupto? Não sei. O que eu sei é que estou chocada com a morte dele como fiquei com as vítimas do avião da TAM. Como fiquei chocada com a morte dos Mamonas Assassinas. Porque jornalista também se choca. Jornalista sente dor, pena, raiva, indignação, e qualquer outra coisa característica do ser humano. O que tenho pena, pena mesmo, é de ver tanta gente escolhendo outros governantes para estarem no avião que caiu, no lugar de Campos, ou apontar nomes para o responsável pela tragédia. Me entristece ver as mesmas pessoas  criticando a postura da imprensa, acusando de se aproveitar da situação e, ao mesmo tempo, desejando que Aécio ou Dilma estivessem no avião. 

Vi amigos jornalistas dando depoimentos no Facebook narrando o dia de hoje. E digo a vocês, ninguém gostou do que viu. Noticiar tragédias se faz necessário. O que é desnecessário é ver gente desejando a morte de outras pessoas como se tivesse anunciando a venda do carro. Este, infelizmente, é o país que vivemos. Se você deseja que os seus representantes morram, só consigo lembrar da frase: cada povo tem o governante que merece.

Aos amigos jornalistas que só puderam pesar a tragédia quando bateram o cartão e se viram fora do trabalho, parabéns pela eficiência de separar a perplexidade pessoal da determinação profissional. São momentos como estes, de ouvir a voz embargada de uma amiga jornalista me dando a confirmação da morte de Campos, que cada um escolhe a forma como quer sobreviver na sua profissão. E hoje, mesmo sendo um dia de merda, eu tive certeza que fiz a escolha certa.